O legado de um guerreiro de gelo



Antes que a neblina cede-se
Que o mar se deixa-se ir
E que as estrelas voltassem,
O Guerreiro de Gelo alimentou o espírito,
Guardou a espada
E buscou mais uma tentativa de regresso.
Não é que ele não quisesse ali estar,
Mas o seu intuito e presença antecipavam outra direcção.
A sua consciência não o orientava,
Mas isso não era importante,
O relevante era ter a certeza de onde deveria estar.


A neblina cedeu,
O mar deixou-se ir
E as estrelas voltaram.
O nobre soldado fez-se vivo e partiu
Sem que a sua natureza o desvendasse
Uma estranha criatura seguia-o
Algo de um rosto desfigurado,
Presença incómoda
E corporalmente invisível aos olhos.
O Guerreiro de Gelo sentia-se ameaçado,
Talvez até desorientado e vago,
Nada que fizesse recair a sua desmedida coragem
Sentia-se parcialmente perseguido,
Mas o seu legado estava presente demais para ceder.

Os dias completavam-se uns nos outros,
As verdades escoavam-se,
O herói personificado ousava continuar.
Naquele dia ele conheceu uma Bruxa,
Esta contava-lhe que em tempos foi fada
E se hoje assim o era
A causa estava num envelhecimento encantado que lhe haviam destinado.
O Guerreiro de Gelo perguntou-lhe
Se poderes não tinha para operar a mudança
Esta responde que só para os outros, nunca para ela,
Para ela só outra de uma mesma vida.
O Guerreiro de Gelo ofereceu-se para desmistificar este encantamento encantado,
Mas a Bruxa não aceitou,
Profetizou-lhe que outras glórias não podiam esperar
E que estranhas presenças não o podiam parar.
O Guerreiro de Gelo promete continuar,
Desde que a vulnerável Bruxa o acompanhasse,
Para juntos encararem a diferença.
A estranha presença de face desfigurada continuou a segui-los.

Alguns dias mais, o Guerreiro de Gelo conheceu um Órfão,
Os seus pais haviam partido em viagem eterna,
Porque a verdade haviam revelado.
O pequeno era o que restava de um dado sonho
Que agora fugia da vulgaridade.
O Guerreiro de Gelo convidou-o a acompanhá-lo
A criança pensou em breves consciências
E perguntou porque haveria de o acompanhar,
O suposto herói argumentou que também ele,
Também ele queria viver o sonho,
Também ele o procurava por entre tudo e nada.
A invisível presença continuava no seu encalço.

Algumas luas após,
Avistaram uma cidade perdida,
Profundamente perdida por entre vazios.
Um Velho Soldado acenou-lhes,
O Guerreiro pôs-se em guarda,
O homem vinha em paz.
Era o último guardião da cidade perdida,
Era o último sonhador daquelas paragens,
O único que acreditava num regresso.
Mais uma vez, o Guerreiro de Gelo, convidou-o a seguir com eles.
Com os olhos na face do homem,
Segredou-lhe que juntos regressariam ao sonho.
Aquela estranha e incómoda presença não os largava.

Passaram dias, meses, séculos,
Quem sabe, milénios.
Estes quatro peregrinos continuam a sua busca,
Continuam a tentar encontrar,
Continuam a tentar regressar,
A estarem de novo presentes,
A estarem de novo presentes em vida e espírito.
E esta desfigurada presença,
Incomoda e corporalmente invisível que sou
Continua a persegui-los
E em cada nova caminhada
Eles encontram alguém novo que se lhes junta,
Encontram alguém novo que também ambiciona sonhar,
Alguém desesperadamente à procura de conquista.
Por entre céus e infernos
E em todas as realidades
Eu irei também lá estar,
E aposto que também cada um de nós,
Porque duvido que estejam mortos
Porque duvido que não queiram ser vida.
Porque sei, tenho a certeza,
Que o Guerreiro, a Bruxa, o Órfão e o Velho
Irão viver o seu sonho...
E eu o meu...