Escolhes o Destino ou a Liberdade - Diários de Geray - Parte II





Nas montanhas de Geray existe um local especial onde os Mestres da Ordem dos Cavaleiros do Poder levam os seus aprendizes para aprenderem a diferença entre a Liberdade e o Destino. À partida a diferença parece clara, objetiva e até básica, mas seria tão linear assim esta diferença.

Falamos das quedas de água de Xuen. Bem no coração de Geray, ergue-se uma enorme fenda com mais de 200 metros, por onde descem de forma vertiginosa as águas do Rio do Caldeirão Nascente.

Nas quedas de água de Xuen os aprendizes são desafiados a descobrir se as escolhas que efetuaram são de facto o seu destino. São colocados perante a pergunta: O teu destino trouxe-te até aqui. Continua a ser este o teu destino?.

Perante a dúvida, o aprendiz então escolhe se prefere subir ou descer a queda de água sem o apoio de qualquer instrumento. A subida é vagarosa e exigente. A pressão da água nas costas e cara pode ser impossível de aguentar e por vezes o aprendiz acaba por ceder e cair, pondo em risco a sua vida. A descida é vertiginosa. O aprendiz tem segundos para escolher o ângulo certo para o mergulho para o precipício. Um salto mal calculado para o abismo pode significar o último momento de vida.

Embora todos os aprendizes soubessem da existência de Xuen e o ensinamento que pretendia transmitir, nunca ninguém conheceu alguém que tivesse completado a prova ou mesmo o que significava a escolha de escolher subir ou descer a tenebrosa queda de água.

Era o dia de Yber, Juny e Tartarus testarem a sua sapiência. Yber era sobretudo instintivo. Leal e astuto era ao mesmo tempo extremamente indeciso sobre pressão. Tartarus era uma líder e muito incisiva, mas baqueava na altura de ter de engendrar um plano. Por fim, Juny, mais nova dos três, era a mais pura e comunicativa. Na hora da decisão o coração falava sempre mais alto.

Pusemo-nos a caminho de Xuen. Era meio dia de caminho por entre trilhos escondidos e subidas assombrosas. Paramos para comer num sopé de uma colina e após algum descanso seguimos caminho. Por fim chegávamos à imponência de Xuen.

Tartarus e Yber eram meus aprendizes. Juny era aprendiz de Lyn. Era a hora da verdade. Por muito treino físico, mental e espiritual que tivessem, nenhum deles havia treinado para aquele momento. Foram então colocados perante a questão: O teu destino trouxe-te até aqui. Continua a ser este o teu destino?.

Yber respondeu: Mestre devo responder à pergunta ou escolher qual das tarefas devo efetuar?

Ninguém lhe respondeu. Perante o silêncio, Tartarus decide agir e escolhe o mergulho no abismo. Juny, perante o silêncio dos Mestres e a decisão do instante de Tartarus, olha em pânico para a sua Mestre, mas em resposta obteve mais silêncio. Yber, inspirado por Tartarus, decide escalar a queda de água. Faltava Juny, a menos apta de todos em termos físicos. Tartarus mede o impacto do mergulho, mas prefere confiar nos seus sentidos. Fecha o olhos, controla a respiração, funde-se com os elementos e deixasse levar pela velocidade alucinante da água até ao mergulho final nas profundezas do Lago de Xuen. Por sua vez, Yber encontra uma espécie de túnel entre as saliências da rocha atrás da queda de água e , confiando nos seus instinto, elevasse rocha acima aproveitando todos os pontos secos ou menos húmidos para evitar a queda no abismo. Já a meio do caminho, não há mais túnel improvisado e é impossível ver qualquer tipo de passagem, a água e a sua torrente interminável não o permitiam. Tinha duas hipóteses, confiar nos seus sentidos e tentar uma escalada suicida ou desistir mergulhando nas águas de Xuen. Após quatro tentativas, acabou por ceder e deixar-se levar de volta às águas superficiais de Xuen. Juny paralisou, ajoelhou-se perante a sua Mestre e pediu perdão pelo seu fracasso.

Nesta altura, tanto eu como Lyn retiramo-nos. Tínhamos convidado Mizegui para nos auxiliar nesta prova. Dos atuais Mestres, era o que mais aprendizes havia levado a Xuen e o mais sábio nas suas avaliações. Pelo menos era o que achávamos.

Mizegui voltou a perguntar: O teu destino trouxe-te até aqui. Continua a ser este o teu destino?.

Tartarus, meio confusa respondeu: Tenho muita dificuldade em acreditar no destino. Estou aqui quase por coincidência, mas hoje, se este era o meu destino, é porque quero.

Entretanto, Mizegui virou o seu olhar em direção a Yber. Este tenso, lá responde: Não sei bem o que dizer Mestre. Não sei se a escolha que fiz era a correta, mas garanto-lhe que foi inteiramente minha. E acho que se estou aqui, este continua a ser o meu destino. Mas estou confuso Mestre.

Por fim chegava novamente a vez de Juny. Juny, sem grandes divagações, desta vez foi direta ao assunto: - Não vou mentir. Fui fraca. Foi minha escolha estar aqui, mas não era a minha escolha paralisar. Agora Mestre, não sei se é destino ou maldição, o que aconteceu foi o que aconteceu.

Mizegui sorriu para os três e disse: Na Ordem dos Cavaleiros do Poder não acreditamos em destino. Aliás o destino é só uma desculpa para não nos sentirmos banais e escondermos a nossa culpa, a nossa inação. Na Ordem acreditamos em Liberdade, na capacidade de cada um com os seus defeitos, qualidades e ofícios ser capaz de escolher em cada momento com quem quer estar, como quer estar e onde quer estar. O caminho da Redenção, da vossa Redenção é o caminho da vossa Liberdade e não o destino vazio.