As vertigens do medo.... Diários das Terras de Cavaleiros I




No seio da grande aventura que é ser Cavaleiro somos levados durante o treino para territórios de imensidão vasta em que nos chamamos a nós mesmos ao silêncio, à meditação e à recaptura dos nossos medos mais mais primários.

Voltei a Terras de Milénia, aos planaltos denominados Terras de Cavaleiros, um território mais antiga que a existência que conhecemos. Nestes primeiros dias fico-me pela fortaleza de Algor, no topo das colinas de Brar. O objetivo é só um. Relembrar o medo do precipício, da vertigem abrupta, do salto para o nada.

Por este dias viajo com Mestre Mizegui, velho amigo de caminhada. A tarefa que me incumbiu era simples, procurar o velho medalhão de Corr que lhe havia sido confiado pelo seu pai. O único senão é que o tinha escondido na fenda intermédia da elevação que permite a vista da fortaleza de Algor a mais de 30 km de distância. A elevação é uma rocha maciça, quase sem pontos de apoio que se ergue ao longo de 500 metros. O exercício deveria ser simples. Chegar até ela não seria impossível. O meu medo era o ato de voltar. Embora nunca tenha sucumbido ao medo das vertigens e de ter no meu registo aventuras a mais de 5000 metros de altitude, Algor era diferente. A linha reta vertical que ligava a muralha principal ao profundo negro, que não deixava que visse o chão seguro, perturbava-me e lembrava-me que por mais treino que tenhamos há medos primários que nos acompanharão sempre.

Sabia que faria o exercício. Ser Mestre Aprendiz não permitia que me ficasse por ali. Subi a muralha, atei duas cordas à volta do maior dos pináculos, uma para descida, outra para segurança e comecei com brevidade a minha descida. Os primeiros 100 metros foram um exercício de concentração e respiração. Entretanto Mizegui dá um grito de aviso: - Amigo, agarra-te à rocha!!!

Nem tive tempo para pensar, agarrei-me à primeira saliência que encontrei. Mizegui havia cortado as cordas. Estava por minha conta. Não havia tempo para pensar, entrar em pânico ou pensar no que vinha a seguir. Foi um instante de instinto, sentidos apurados e esquecer o essencial. Naquele momento só contava com um micro ciclo vital que vencia ou morria. Concentrei-me apenas na parede impossível, desliguei os medos que estavam ainda mais presentes e apenas vi a função descida.

Com mais ou menos dificuldade cheguei cá baixo. Mizegui com um sorriso irritante esperava-me. As minhas primeiras palavras para Mizegui não foram de "vou-te matar", mas antes de perdão por não ter completado a minha tarefa. Nesta altura, Mizegui abraçou-me e lembrou-me:
"Nem sempre podemos ter o todo. nem sempre o tempo permite que cheguemos a todos e a tudo. Por vezes temos que escolher entre o chão e o céu, entre a vida e a morte. Não nos é permitido mais. Nesta altura a escolha é hoje ou amanhã. Um Mestre Aprendiz perante tal vertigem do medo, só tem uma escolha, o amanhã... porque o amanhã não é de ninguém, muito menos do medo...