Aprender a estar... - Diários das Terras de Cavaleiros - Parte III






Pela manhã, eu e Mizegui partimos rumo à fortaleza mais importante de Brar, Langalan. Imponente e muito bem situada bem no centro da cidadela de Brar, era aí que todos os Mestres Aprendizes trocavam armas e pediam a sábios ferreiros e armeiros que corrigissem ou arranjassem as suas armas e adereços de combate. Ao mesmo tempo era um refúgio para treino militar. 

Nessa manhã revimos Nure, Mestre Aprendiz da Noite Continua. Nure era um Mestre de grande experiência nas artes de regeneração e havia dedicado a sua vida à região de Vimian. Embora viajasse muito, voltava sempre a Vimian e ao seu grupo de Aprendizes. Por outro lado tinha feito um voto de pobreza, vivia apenas com o que era estritamente necessário. Tudo o que não precisasse devolvia à natureza ou partilhava com os seus. A juntar a isto era conhecido por ser um sonhador de projetos adiados, um saudável desorganizado de temperamento refinado e algo preguiçoso.

Cumprimenta-mo-nos respeitosamente e rapidamente nos perdemos em memórias e momentos menos sérios que nos fizeram sorrir e corar. Todos estávamos ali para rever as nossas armas e deixar que os nossos armeiros de confiança pudessem verificá-las e, se assim fosse, melhorar a sua precisão e pontos de segurança.

Nessa tarde, eu e Mizegui íamos para as margens do selvagem rio Dorei treinar nos seus imensos desfiladeiros e convidamos Nure a vir connosco e a pernoitar por lá na nossa companhia. Há muito que não estávamos juntos e seria mais uma forma de passar um bom bocado enquanto nos ajudávamos mutuamente no treino de cada um.

Já por Dorei, num dos seus penhascos mais íngremes, aventura-mo-nos num mergulho vertiginoso de mais de 200 metros rumos às suas aguas indomáveis. Primeiro fui eu, seguiu-se Mizegui e Nure, ao contrário do que esperávamos, decidiu ficar-se pelo topo do penhasco e fitar-nos. Com muito esforço iniciamos a insana escalada até ao topo do penhasco onde Nure nos esperava:
- Que se passou amigo, não te queres molhar? - perguntei em tom de provocação.
- Fica para mais tarde. Esta não era a minha hora. - respondeu Nure.
Respeitei o seu espaço e deixei-o ir. Nure retirou-se e amavelmente cozinhou para os três. Há noite, à volta da fogueira, confortavelmente fortalecidos por um poderoso repasto de javali confecionado por Nure, Mizegui voltou a perguntar:
- Há momentos em que não te compreendo Nure. Vieste connosco para treinar e no momento da verdade ficas-te-te pelo chão firme.
- Não me entendas mal amigo, apenas não o quis fazer. Se porventura acordar na disposição de o querer então o falo-ei. - retorquiu Nure.
- Por vezes acho que subestimas o teu poder. Cedo, todos aprendemos que não podemos ter medo do nosso poder, é ele que nos faz. Ter dúvidas, medos, muito bem. Mas não avançar!!.... Sei bem que não é isso. Acredito mesmo que às vezes é só a tua preguiça. - insistiu Mizegui
- É bom saber que me conheces Mizegui. Pode até ser a minha preguiça, posso até estar com medo, pode ser só que não queira. Concordando ou não amigo, este é o meu ritmo. Há muito que aceitei os meus poderes e os meus defeitos. É com eles que continuarei caminho. Hoje, apenas pretendia estar convosco, foi isso que me trouxe aqui. Foi o poder da relação e não o poder do treino. Hoje escolheste treinar e eu escolhi estar. Nenhum de nós está errado, apenas escolhemos papeis diferentes.
Sem ponta por onde discordar, Mizegui ficou sem argumentos para Nure. A noite continuou e no fim acabamos todos por apenas estar. Foi nesse momento que me lembrei do ensinamento de Mestra Caelum, que o treino, embora nunca pare, também se faz a estar. Ela dizia: "Só aprendemos a não ter medo do nosso poder quando aprendemos a estar com o outro e com o seu poder, dando origem a um poder novo. Nessa altura aprendeste a estar contigo..."